Jorge Couto foi uma figura histórica do sindicalismo bancário no Rio de Janeiro. Foi um homem simples que cumpria as tarefas de militância e organização dos bancários e que sempre manteve a fidelidade à luta da categoria bancária – acima de tudo. Foi militante do PCB e depois filiou-se ao PT.
O videodocumentário “Jorge Couto” foi lançado em 2013, mas a entrevista que fizemos com ele ocorreu em 27 de agosto de 2008 na sede do Sindicato dos bancários de São Paulo. Diz o letreiro de abertura:
“Esta é a história de vida de Jorge Couto, ex-bancário aposentado do Banco Mercantil de Sõ Paulo (hoje Banco Bradesco), dirigente sindical histórico dos bancários do Rio de Janeiro”.
Jorge Couto nasceu em 14 de março de 1933. Ele faria hoje- em 2023 - cem anos de idade.
Ele lembra que sua mãe era bilheteira de cinema. E que começou a trabalhar com 14 anos - antes de ser bancário passou por várias ocupações, entre elas office-boy de uma empresa de representaçõese, faturista, mecânico de aviação (trabalhou na Pan Air do Brasil). Entrou no Banco Mercantil de São Paulo em 1956 (este banco seria comprado pelo Bradesco em 2002).
Jorge Couto ressaltou que hoje, está aposentado – é aposentado e anistiado por conta de ter sido perseguido durante a Ditadura Militar (em 2013, Jorge Couto prestou depoimento em 19/11/2013 para a Comissão Nacional da Verdade e a Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro .
No videodocumentário feito por nós, Jorge Couto enfatizou a questão da estabilidade no emprego. Ele começa falando que em 1934, os bancários conseguiram a estabilidade no emprego com 2 anos de serviço. Depois, a estabilidade no emprego foi ampliada para todos os trabalhadores com 10 anos de serviço. Este direito foi alienado dos trabalhadores com o golpe militar de 1964 e em troca, foi criado o FGTS.
Logo que começou a trabalhar no banco, Jorge Couto se aproximou do sindicato, sindicalizou-se e passou a distribuir o jornal dos bancários. Praticamente trabalhava no banco e no Sindicato. Ele lembrou da grande greve dos bancários de 1961 sob a direção de Aloisio Palhano. O bancário e sindicalista Aluizio Palhano Pedreira Ferreira, foi dado como desaparecido político desde 1971, quando tinha 49 anos, e teve suas ossadas e restos mortais identificados no dia 3 de dezembro de 2018, pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), do Ministério dos Direitos Humanos (MDH), durante o governo Dilma Rousseff.
Jorge Couto relatou que - em 1961 - os bancários não faziam greve desde 1946. Foi uma greve vitoriosa. Naquela época Jorge Couto militava no Partido Comunista Brasileiro. Em 1963 a categoria bancária conquistou a permanência da Gratificação Semestral.
Os bancários já tinham este beneficio salarial, mas como em 1962 os trabalhadores tinham conquistado o 13º. Salário, os bancos decidiram eliminar a Gratificação Semestral. Jorge Couto lembrou da luta heróica pela permanência da Gratificação Semestral, luta que envolveu a totalidade dos bancários, inclusive os gerentes e os motoristas do banco que até 1977 eram efetivamente bancários (hoje os motoristas do banco são terceirados). A categoria bancária reduziu-se, não apenas por conta das demissões e rotatividade do trabalho, mas devido a terceirização e a criação dos correspondentes bancários – que não são reconhecidos como bancários.
Jorge Couto lembrou que em 1964 o sindicato sofreu intervenção militar, mantida até 1966. Em 1968 ocorreram eleições sindicais sob o controle do Ministério do Trabalho do regime militar. Nas eleições de 1971, foi eleita uma chapa com presença de católicos e comunistas, mas foi cassada no ano seguinte, com o Sindicato sofrendo uma nova intervenção. Edmilson Martins de Oliveira, o presidente cassado, católico, recorreu ao cardeal Dom Eugenio Salles para evitar a prisão de toda a diretoria. Jorge Couto, militante do PCB, relatou o drama de ficar esperando a prisão a qualquer momento. Sofreu interrogatório, mas não foi preso ou torturado fisicamente.
Em 1975, ainda sob o regime militar, ocorreu um simulacro de eleição sindical. Em 1979, sob a abertura política, os comunistas reconquistam o sindicato sob a liderança de Ivan Pinheiro. Em 1985, o PCB perde o sindicato para o bancário Cyro Garcia, da Convergência Socialista que ficou na direção até 1991, perdendo depois o Sindicato para o PT-Articulação, que mantém a hegemonia no Sindicato há 5 eleições (a entrevista foi feita em 2008).
Jorge Couto diz que ele é hoje – em 2008 – uma referência dentro da categoria. É anistiado, lembrando de Walter Barelli a quem recorreu para conseguir a pensão de anistiado pelo regime militar. Relatou sobre seu trabalho de sindicalista, mas também seu esforço de estudar Direito desde 1961, mas que foi frustrado pela militância sindical e a ditadura militar: Isto “atrapalhou a vida” – diz ele.
Observou que não é fácil equacionar militância e vida pessoal. Em 1968 se casou e tem hoje 3 filhas. A mulher sempre foi do lar.
Jorge Couto ressaltou a importância da luta de classes e tornou-se um crítico voraz da inércia do movimento sindical. É um velho militante dos tempos idos em que sindicato lutava....
Observou que hoje a diretoria de um sindicato é bem maior do que aquela que havia na década de 1950 ou 1960. Hoje o mandato sindical dá estabilidade – é a forma de preservar o emprego dos militantes sindicais. Mas salientou que hoje o sindicalismo bancário não tem compreensão da luta de classe. Mas é claro – isso vai além do Sindicato. É a sociedade manipulada por uma mídia que faz um trabalho de alienação.
No fim da entrevista destacou a importância da luta pela proteção do emprego. Esta bandeira de luta tornou-se uma obsessão de Jorge Couto. É fundamental fazer a luta pela proteção do emprego. É bastante compreensível vindo de um militante histórico do sindicalismo bancário, talvez a categoria de assalariados mais ameaçada – há décadas - pela reestruturação organizacional-tecnológica do capital.
Ligado ao PT desde 1991, Jorge Couto – com muito cuidado – criticou todas as correntes do movimento sindical pela inércia. Diz ele: “Hoje ninguém mobiliza ninguém”. Ressaltou a importância de lutar pelo aumento da aposentadoria dos bancários – que foi desvinculada do aumento do salário-mínimo. Foi um crítico dos governos, dos partidos e dos sindicatos, que não fizeram o devido enfrentamento da política da burguesia. Conclui sua entrevista salientando a necessidade de “menos discursos e mais ação”, a necessidade de dar um passo adiante e a necessidade de combater a inércia do sindicalismo brasileiro. Jorge Couto foi um típico representante de uma das gerações do sindicalismo brasileiro que mais lutou – mesmo nas condições históricas adversas da ditadura militar. Ele conheceu o auge da luta e a tragédia da repressão da ditadura militar; e também viveu para ver a ascensão do sindicalismo na luta pela redemocratização na década de 1980 e a ofensiva neoliberal que imobilizou o sindicalismo – objetivo e subjetivamente. Jorge Couto viveu para ver a ascensão e queda da civilização brasileira com o projeto do desenvolvimentismo populista; viveu a resistência democrática." Jorge Couto foi um típico representante de uma das gerações do sindicalismo brasileiro que mais lutou – mesmo nas condições históricas adversas da ditadura militar.
Ele conheceu o auge da luta e a tragédia da repressão da ditadura militar; e também viveu para ver a ascensão do sindicalismo na luta pela redemocratização na década de 1980 e a ofensiva neoliberal que imobilizou o sindicalismo – objetivo e subjetivamente.
Jorge Couto viveu para ver a ascensão e queda da civilização brasileira e o projeto nacional-desenvolvimentismo; viveu a resistência democrática do período da ditadura militar e participou da retomada heroica do movimento sindical na década de 1970 e 1980 com as greves de massa dos bancários. Finalmente, viveu a ofensiva neoliberal – aposentou-se e foi anistiado na década de 2000.
Jorge Couto faleceu em 29 de março de 2021 – dias depois de fazer 88 anos.
JORGE COUTO, PRESENTE!
Hoje ele nos deixou e afirmamos: jamais haverá alguém como Jorge Couto. Bem sabemos, que todas as pessoas são únicas, mas o Couto era um personagem sem paralelo, similaridade ou comparação. Corpo esguio, pernas longas, jeito manso, sob a testa larga cabelos alinhados, voz rouca, olhar distante, fala suave, porém sempre firme e cheia de convicções. Sempre tinha uma história para contar, porque muita história já tinha vivido, seu compromisso sempre foi com a utopia de um mundo justo, bom e fraterno. Funcionário do Mercantil de São Paulo e militante sindical atuante, fez do Sindicato dos Bancários sua ferramenta de luta, sua trincheira, sua causa, sua casa e o sentido de sua vida. Enfrentou a ditadura e o autoritarismo de vários governos, foi perseguido e cassado, mas nunca se rendeu, esmoreceu ou abandou a luta. Na direção do Sindicato, ocupou postos importantes, sempre fazendo uso de sua inteligência, competência, experiência e sensibilidade, deu contribuições valorosas e inestimáveis. Jorge Couto nunca deixou de fazer o bom e velho “trabalho de base”, tinha pleno conhecimento das vontades, tendências e necessidades da categoria bancária, e com ela tinha uma relação de intimidade e cumplicidade inigualáveis. Dirigente combativo, firme, leal e sincero, que sabia ouvir, mas nunca se esquivava de ter posição e opinião. Por se dedicar e se preocupar com o destino de todas as famílias, Couto era amado e respeitado intensamente por sua esposa e filhas, e para com elas temos a dívida de muitos obrigados, pois tiveram a grandeza de partilhar o que consideram o mais importante e que carinhosamente chamavam de marido e pai, e nós orgulhosamente chamávamos de camarada, companheiro e amigo. Não há dúvidas, jamais haverá alguém como Jorge Couto.
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