O documentário “Mulheres bancárias” foi lançado em 2013, mas a filmagem foi feita em 29 de agosto de 2008 na cidade do Rio de Janeiro na sede do Sindicato dos Bancários. Tive o apoio de Jo Portilho, dirigente sindical bancária que conseguiu agendar os depoimentos das sindicalistas mulheres. Muitos documentários foram lançados anos depois das filmagens. Isso tem sido a prática do CineTrabalho.
2013 foi um ano prolifico para a produção audiovisual do CineTrabalho.
O documentário “Mulheres bancárias” contém os depoimentos de Fátima Guimarães e Marlene Miranda.
O video documentário se inicia com a frase de Fátima fazendo a retrospectiva de vida: “Eu era feliz e não sabia”. Depois iremos verificar que tal frase não diz respeito às angústias pessoais de Fátima, mas à percepção de que na década de 2000, a reestruturação bancária mudou – para pior - a morfologia do trabalho bancário de forma candente.
Diz o letreiro de Abertura:
Fátima e Marlene são mulheres sindicalistas bancárias na cidade do Rio de Janeiro que nos relatam as transformações ocorridas nos bancos e a precarização do trabalho bancário na década de 2000. Elas tratam também da iniciação da militância sindical e as dificuldades de conciliação entre sindicalismo e vida pessoal.
O primeiro depoimento é de Fátima, bancária do Banco Real, banco privado. Ela tem a experiencia de trabalhar num banco que passou por várias reestruturações produtivas a partir da década de 1990. Uma aspecto da reestruturação bancária é o processo de concentração (aquisições e fusões) de bancos. Isso tem se intensificado após o Plano Real em 1994. Por exemplo, em 1998 o Banco Real foi incorporado pelo ABN. Depois, em 2007 o Santander comprou o ABN. Fátima tem lembranças do “Real puro” – como diz ela. Ela compara o antes e o depois. É por isso que diz: “Eu era feliz e não sabia”.
Fátima é pura nostalgia. Na década de 2000 com o choque de capitalismo do neodesenvolvimentismo, acirrou-se a reestruturação bancária. A nostalgia diz respeito a um tempo passado em que a exploração não alcançava a dimensão da subjetividade do trabalho vivo. Fátima observa: “Você não dá conta e vai ficando doente”. Ela faz referencia à LER, pânico e depressão , “coisas que a gente não via antigamente”. Depois, exclama: “Agora você tem que vender. Além de atender o cliente, você tem que vender produtos [...]”. Ela usa a expressão: “trabalhar na selva”.
O trabalho bancário é o mundo das Metas: metas individuais, metas do setor. Par ela, isso seria plausível se o bancário e a bancária ganhasse por produção. Mas não é o caso: cumpre Metas, mas não se ganha mais. Fala em desanimo. Depressão e agressão...é o novo mundo do capital bancário: “10 minutos para ir ao banheiro e 20 minutos para lanches”.
Existe o TMA: Tempo Médio de Atendimento, índice de controle do trabalho do bancário. Foi implantado placas com a produção de cada bancário para serem exibidos (kanban). Ela exclama: “Isso é assédio!”. É o espírito do toyotismo sendo incorporada pelo capital bancário.
O marido de Fátima era também bancário na década de 1990, mas entrou num Programa de Demissão Voluntária e com o dinheiro montou um negócio de camioneiro. Ele sempre quis trabalhar como “autônomo” e assim, realizou seu sonho.
Marlene é bancária há quase 19 anos. Entrou no banco em 1989. Depois de 2000, passou a sentir o estresse e o aumento das cobranças nos locais de trabalho. Chegou a adoecer de LER nas mãos. A família duvidava de que ela estivesse doente. Os bancos tratam as bancárias como “bonecas de plásticos”. Marlene teve depressão, pânico. Entrou para o sindicato porque – diz ela – “aqui as pessoas ajudam umas às outras”.
Marlene não é casada e não tem curso superior. Relata que o noivo chegou a dizer para ela: “Marlene, na minha família só entra nível superior. Pra casar tem que estudar”. Marlene sente o peso do machismo na sociedade do capital. Diz que pretende retomar estudos e dar mais atenção a seu lado pessoal que ficou esquecido.
Diz ela que os bancos estão mandando os antigos embora. Eis o medo de Fátima e Marlene: o medo da obsolescência por conta da reestruturação produtiva do capital. Velhos e doentes não servem ao capital.
Marlene diz que dos 28 bancários da Agência onde trabalha, 22 estão doentes. Reconhece que as pessoas estão muito separadas umas das outras. É o Brasil do neodesenvolvimentismo e do choque de capitalismo.
O capital incentiva o conflito “velhos” e “jovens” e a competição nos locais de trabalho vai tomando espaço. O documentário “Mulheres bancárias” é muito rico em detalhes de questões sobre a nova ofensiva do capital iniciada na década de 2000 com a disseminação do espírito do toyotismo.
Talvez os bancários de hoje não possam mais dizer que “eu era feliz e não sabia”, porque a velha geração de bancários foi substituída pelos bancários que já naturalizaram a nova precariedade salarial implantada na década de 2000.
Marlene Miranda continua na ativa no sindicalismo bancário do Rio de Janeiro em 2022. Nesse reportagem de 20 de junho de 2022, ela partucipa de protesto contra o fechamento da última agência do Mercantil do Brasil - seu banco - no Município do Rio de Janeiro e mais duas no estado, não sobrando mais nenhuma unidade.
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