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  • Foto do escritorGiovanni Alves

O documentário "AutoEuropa" foi lançado em 2013, embora tenha sido produzido em 2012, durante o meu pós-doutorado no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (2011-2012). Tive o apoio inestimável de Elisio Estanque, que organizou o acesso à fábrica e providenciou nosso deslocamento até o concelho de Palmela, no sul de Portugal. Discutimos o roteiro e Elisio tomou a linha de frente no tour à fábrica, entrevistando, por exemplo, o Diretor-Gerente da AutoEuropa, que aparece em vários momentos no documentário. Eu, por outro lado, fui responsável pela cinematografia e pela captura das imagens necessárias para compor o videodocumentário. A edição e a montagem - e, portanto, a direção - foram feitas por mim.


"AutoEuropa" foi o terceiro videodocumentário que fiz no ciclo de Portugal 2011 D.C., depois de "Precários Inflexíveis" e "Portugal e a Crise".


O documentário começa com o letreiro:


"A AutoEuropa é uma empresa do Grupo Volkswagen, fundada em 1991 como uma joint venture entre a Ford e a Volkswagen. Ela está localizada no concelho de Palmela, distrito de Setúbal, e fabrica os conhecidos modelos Sharan, Eos, Scirocco e Alhambra, sendo o último da marca Seat. Cerca de 805 empresas fornecem peças para a produção atual, utilizando o método just-in-time. Diariamente, 40 caminhões entregam material para a produção na AutoEuropa. A AutoEuropa possui 3.626 trabalhadores (2012). Neste documentário, apresentamos cenas da linha de produção da Volkswagen AutoEuropa e abordamos as dimensões do trabalho, da gestão e do sindicalismo da AutoEuropa por meio de entrevistas com o diretor-gerente da empresa, com o presidente da comissão de trabalhadores da AutoEuropa e com um dirigente sindical da FIEQUIMETAL (Federação das Indústrias Metalúrgicas de Portugal).


O vídeo tem quase 2 horas de duração, mas é rico e complexo, abordando vários aspectos do complexo fabril da AutoEuropa.


A empresa é um verdadeiro espetáculo e é possível agendar visitas (tours) à fábrica AutoEuropa. O tour é a celebração da racionalidade moderna - tecnologia, gestão de pessoas e limpeza (a fábrica é exuberantemente limpa, inclusive numa das cenas, logo no início, vemos uma operária manobrando com cuidado um carrinho de limpeza pelo chão de fábrica).


A racionalidade fabril aparece no tour com informações da fábrica e com o esquema de produção passo-a-passo. A empregada da AutoEuropa que nos recepciona está programada para nos esclarecer sobre tudo que diz respeito à produção da AutoEuropa. Ela é nosso guia pelo interior do organismo fabril.


O filme começa com o som ensurdecedor da fábrica, que foi uma escolha para enfatizar o realismo diegético. O ambiente do chão de fábrica é barulhento, com o som contínuo e insistente das máquinas-ferramentas.


Uma imagem de impacto é a massividade do capital fixo, e é difícil encontrar trabalho vivo no chão de fábrica. Embora o trabalho vivo esteja presente, ele não é mais apêndice da máquina, mas sim o vigia da máquina.


A primeira impressão é do espetáculo do sistema de maquinaria, em especial dos robôs, que executam com precisão e desenvoltura as operações de soldagem que exigem o cuidado que a força de trabalho muitas vezes não tem. Aos operários resta o trabalho de alimentar a cadeia de produção, fazer os ajustes na carroceria e ligar os sistemas de controle numérico computadorizado.


Embora o trabalho vivo no interior da fábrica possa ser relativamente pequeno comparado com o peso do capital fixo, se considerarmos que a AutoEuropa é uma fábrica toyotista, a fábrica-mãe é enxuta, mas o entorno é disperso e amplo. Muitas outras pequenas fábricas fornecem peças e componentes para a AutoEuropa. Portanto, o trabalho vivo não encolheu, mas foi reorganizado territorialmente. É claro que houve enxugamento, mas territorialmente falando, ele não é aquilo que parece ser.


A terceirização da produção expõe a precariedade laboral, pois muitas vezes, o operário da fábrica subcontratada e mesmo o que presta serviço na fábrica-mãe tem outro estatuto salarial.


O discurso do diretor-gerente da AutoEuropa é o espetáculo linguistico da persona do capital e merece ser analisado passo a passo, embora não faremos isso aqui.


A palavra "inovar" é sempre repetida, assim como a palavra "comunicação" - comunicação com o chão de fábrica. Para o capital, a comunicação tornou-se fundamental. É nesse sentido que salientamos que, apesar de tanta maquinaria, o trabalho vivo ainda é central para o capital, pois ele se preocupa demasiadamente com a "captura" da subjetividade do trabalho vivo.


O foco é nas pessoas, nos operários, e a tarefa de motivação das pessoas é fundamental.


O discurso empresarial oculta a contradição capital e trabalho e a precarização salarial que avança na medida em que aumenta a produtividade do trabalho por conta do aumento da precariedade nas formas de contrato de trabalho.


Percebemos a força daquilo que denominamos de "dessubjetivação de classe", em que o discurso empresarial enfatiza a "pessoa" e ignora a percepção da "classe" do trabalho, que é o pólo antagônico do capital. Essa ideologia promove a ideia de que somos seres humanos e manipula nossos ideais de realização no mundo da alienação. É contraditório que, apesar de tanto se falar em direitos humanos, liberdade, sucesso e felicidade, o capital seja cada vez mais uma força desumana que aumenta a desigualdade social e a concentração de riqueza no mundo exterior.


A fábrica da AutoEuropa é uma fábrica toyotista e, portanto, é caracterizada pelo espírito do toyotismo. A fala do diretor-gerente da fábrica representa esse espírito, inclusive na maneira como a empresa lida com o movimento sindical dos trabalhadores. Na fábrica toyotista, o sindicato de empresa é o que importa, e no caso da AutoEuropa, a Comissão de Trabalhadores exerce essa função. Isso significa que o desligamento do coletivo de operários da AutoEuropa do movimento sindical da categoria e, inclusive, da classe, torna-se fundamental para a nova concertação entre capital e trabalho..


Caso tenham paciência, assistir o documentário pode ser uma boa lição sobre o que é hoje - o precário (e admirável) mundo novo do trabalho.


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